Galera, há algum tempo planejava fazer isso mas só comecei agora. Vou colocar aqui vários contos que tenho escrito nos últimos anos. Quem sabe um dia eu os publique num volume. Eles não estão relacionados entre si nem nem com as séries A Casa na Árvore. Confere aí e comenta o que achou.
2021 /
Dois mil e vinte e um
SE você está lendo isso, provavelmente eu já
estou morto. Mas o fato é que não sou o único. Mas me fascino com a perspectiva
de alguém conseguir ler isso. Saber da sua existência é algo... impressionante.
Nasci em 21 de novembro de 1991, no Brasil. Tive uma boa infância, sem muitas
preocupações. Mas tudo mudou em 2015. Foi quando comecei a prestar atenção às
notícias. Eu não era cientista, nem historiador, nem astrônomo, mas me
interessava por essa última ciência por hobby.
Naquele ano, sondas espaciais chegaram aos planetas anões Ceres e Plutão. Me
senti como se estivesse vendo à chegado do Homem à Lua! A população brasileira já
havia ultrapassado 200 milhões de habitantes nesse ano, mas nenhuma colônia espacial
foi estabelecida na Lua, nem havia humanos em Mercúrio. Digo isso porque foram
fatos marcantes bem repercutidos na mídia naquela época. Eu esperava que, pelo
menos, estivéssemos andando em skates flutuantes, mas o que ocorreu não foi tão
imprevisível assim. Lembro-me de quando, na minha juventude, se falava do fim
do mundo. Nunca acreditei naquelas datas, mas percebi para onde a humanidade
estava indo. Eu chamava de “suicídio coletivo”. Não fazia ideia de como estava
certo. Mas isso não importa nada agora. Há dois anos não vejo nenhum humano –
nem mesmo zumbi, como acontecia em alguns filmes da minha adolescência. Nesse
ano, a ONU não conseguiu impedir uma guerra no Oriente Médio. Em pouco tempo,
muitas nações se envolveram. Mas os que foram para o campo de batalha não
suspeitavam que algo ainda maior estava por vir. Em poucas semanas, um vírus
desconhecido, pior que as gripes da época e o Ebola, se espalhou pelo
hemisfério norte quase simultaneamente, deixando a comunidade médica e
científica perplexos com a inutilidade de seus conhecimentos face à tão
misteriosa ameaça, já que nem conseguiam descobrir de onde ele havia surgido
para se espalhar. Alguns diziam que foi uma estratégica militar, mas o fato é
que milhões de pessoas morreram, bem mais do que as que morreram pelas
explosões nucleares de 2016.
Em 9 de maio desse ano, ninguém
pôde se preocupar muito com o trânsito de Mercúrio entre a Terra e Sol, embora
isso demorasse 16 anos para se repetir. Os Jogos Olímpicos de Verão de 2016, no
Rio de Janeiro, inéditos na América do Sul, foi um caos. Diversas manifestações
pelas ruas foram abafadas pelas autoridades. Mesmo com a crise política e
econômica que ressurgira há alguns meses, a TV Digital foi definitivamente
adotada em todo o Brasil. Pudemos ver em alta resolução a devastação das secas
e enchentes cada vez mais potentes pela nação, incomparavelmente piores do que
as do ano anterior. Não houve muito que o governo pudesse fazer a respeito, já
que tivemos muitos gastos na guerra. Mas o mundo inteiro estava nessa crise,
mesmo as nações mais afastadas. Porém, a economia mundial começou
gradativamente a crescer com o imensurável despojo que os governos mundiais
repartiram entre si, saqueados das extintas religiões, agora definitivamente
banidas pela ONU sob a acusação de incitarem a desunião, preconceito, fanatismo
e terrorismo. Mais protestos, mais abafamentos humanos. Houve boatos de que a
religião voltaria a “dominar o mundo” como na Idade Média, fazendo me perguntar
qual religião seria forte o suficiente para isso. Mas o mundo estava
enfraquecido demais com a guerra, fome, corrupção e desastres ambientais para
pensar a respeito. Nunca fui muito religioso. Eu achava que havia religiões
demais no mundo. Nessa época, vi um cara correndo por mim gritando que o ‘Dia
do Juízo estava chegando’ e que ‘todos seríamos torrados’. Mas os governantes
mundiais viram a decadência moral cada vez mais intensa, aumentando o caos
pelas cidades cada vez mais desertas de um planeta cada vez mais desabitado. As
nações fingiam confiarem umas às outras, mas nenhuma queria dormir enquanto a
outra estivesse acordada. Mesmo com as riquezas, elas não conseguiram se
reerguer, lançando o mundo em mais uma batalha mundial, bem no ano do
centenário da Revolução Russa.
Em 2017, ninguém se importou
com a entrada duma sonda em Saturno, após 13 anos de espera, mas os
sobreviventes não puderam desperceber os estranhos incidentes resultantes dos
três eclipses que ocorreram nesse ano. Muitos se mataram. Em parte, por
tentarem lutar por seus direitos. Forças armadas eram impotentes contra a
insanidade mundial. Houve um número alarmante de casos de depressão e diversos
outros transtornos mentais, num incontrolável surto epidêmico. Outras, sem
tratamento, morreram de câncer, depressão, e doenças respiratórias decorrentes
de gases letais. Grupos racistas surgiram em toda parte. Cidades costeiras por
todo o mundo sofreram inundação com o rápido derretimento de geleiras polares,
ao passo que muitos mares e águas doces secaram quase instantaneamente.
Finalmente, o mundo inteiro (os humanos restantes) se conscientizou disso. Não
era preciso formatura em meteorologia para notar as mudanças no padrão dos
ventos e o aumento na frequência e na intensidade das ondas de calor e frio
extremos.
O aumento de calor oceânico elevou
o nível dos mares, devido à expansão térmica. Era inegável o adiantamento da
ocorrência de eventos associados à primavera, como as cheias de rios e lagos
decorrentes de degelo, brotamento de plantas e migrações de animais.
A decadência agrícola, em parte
decorrente do desequilíbrio nas cadeias alimentares dos ecossistemas, gerou
mais fome e pobreza, não só para a humanidade, mas principalmente para a fauna
e flora, extremamente arruinada. Alimentos contaminados só eram descobertos
tarde demais. O calor insuportável atingiu os países tropicais, gerando cada
vez mais queimadas. Humanos passaram a saquear semelhantes por todo o globo,
após arruinarem as instituições financeiras. Bom, pelo menos, nessas condições,
já não havia uma desigualdade social tão acentuada.
O aquecimento global aumentou os
problemas de saúde relacionados ao estresse térmico no trabalho, reduzindo a
capacidade de operários da construção civil, agricultores, esportistas e outros
que trabalhavam com atividades físicas intensas a céu aberto, e matando muitos outros
aos poucos com crises cardíacas, cãibras, desconforto, desidratação e exaustão,
entre outros. As regiões tropicais foram as mais afetadas, com grande
repercussão social e econômica, afetando atividades como o turismo, o lazer e
programas escolares.
Em 2018, a internet foi extinta
com a destruição dos seus meios de acesso, ao mesmo tempo em que outros meios
de comunicação. O que ocorreu depois disso é lenda. Em minha fuga sem rumo, sem
mantimentos, nem remédios, nem esperança, passei por cidades abandonadas, por desertos
e locais alagados.
Um pouco antes, fiquei atordoado
ao saber de tantas espécies de animais de lugares quentes irem em direção aos polos
ou a lugares de altitude e temperatura mais elevadas. Os que sobreviveram;
porque muitas espécies, especialmente marítimas, foram tão superexploradas que
se esgotaram. Também houve uma mudança na ocorrência geográfica de muitas
espécies vegetais. Cadeias alimentares se romperam a ponto dos ecossistemas
entrarem num colapso irreversível.
Achei irônico que a humanidade
quisesse explorar outros planetas, mas não tivesse dado conta nem do próprio
lar. Imagino se teria sido isso o que acontece com todas as civilizações. Talvez,
todas se aniquilem antes de fazerem contato com outras. Por isso nunca
encontramos vida fora da Terra. Quanto a mim, meus suprimentos finais já estão
acabando. É difícil estocar certos alimentos e adquirir medicamentos. A caça
está cada vez mais escassa, e não sei mais onde acharei água quanto minhas
fontes secarem. Nesses dois anos de solidão, consegui achar até graça de quando
a gente se preocupava com a superpopulação. Que irônico. Não precisávamos nos
preocupar tanto – os milhares de armas nucleares resolveram isso facilmente.
Fico me perguntando se ainda há outras pessoas pelo mundo. Mas, se houver
mesmo, será que nos ajudaríamos? Penso nisso quando deixo meus rastros para
trás. E fico atento. Já que a poluição parou, quem sabe o planeta volte a se
reerguer. Mas será que teremos aprendido algo? Acho que nunca saberei.
Sou apenas um humano, afinal.
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirAcabei de conhecer o seu blog através de um blog amigo.
Parabéns, ele é ótimo e estou seguindo. Me segue também?
Desejo que você tenha um ano abençoado
com muita paz, saúde e sucesso!!!
Doido, maluco achei que estava mesmo numa overdose de uma distopia alucinante no absinto translúcido da hermenêutica paradoxal. Kkkkk.
ResponderExcluirBrincadeira. Kkkkk. Ótimo conto. Parabéns pela linguagem. Me lembra Sherlock Homes.